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ENSINO DE TEATRO ONLINE: considerações e estratégias para aulas remotas

POR LUCAS EMANUEL



1. Aquecimento


Os avanços tecnológicos, tão presentes em nosso cotidiano, têm reconfigurado salas de aula por meio de diversas proposições do ensino remoto, solução temporária para realização de atividades pedagógicas por meio da internet, em decorrência do isolamento social imposto pela COVID-19. Infelizmente, sabemos que muitas são as particularidades que podem inviabilizar a democratização desse processo. Em nosso país, 4,8 milhões de crianças e adolescentes não têm computadores em casa[i]. Não podemos nos esquecer, além disso, dos inúmeros alunos que passam por necessidades ainda mais urgentes em relação à alimentação, por exemplo. Para muitos alunos, a merenda escolar era a principal refeição do dia. A desigualdade social é tamanha!


Nesse sentido, refletir sobre a pedagogia teatral, em tempos de pandemia, nos apresenta como algo mais que necessário. Muitos são os professores de teatro que estão sendo desafiados, diariamente, na condução de processos formativos online, como meio de assegurarem seus trabalhos. Reconhecer o que pode o ensino de teatro neste contexto, mediante contribuições curriculares, debates e trocas de experiência, influencia positivamente tanto os docentes, quanto os discentes envolvidos, entretecendo procedimentos que abarquem as atuais necessidades e possibilidades, neste novo espaço de convívio, momentaneamente virtual.

Para Jorge Dubatti (2015), “o convívio é um paradigma das relações humanas que determina diferentes formas artísticas”. O autor, que tece importantes contribuições em relação à filosofia do teatro, constata na noção de convívio a essência das artes cênicas. O convívio seria definido enquanto uma manifestação que reúne corpos presentes em um mesmo tempo-espaço, vivenciando acontecimentos sem interferência tecnológica. Em contraposição, Dubatti define o tecnovívio, vínculos humanos que são mediados tecnologicamente por uma máquina.


Entretanto, é no cruzamento entre convívio e tecnovívio que o autor tece importantes apostas, num processo de análise de espetáculos cênicos que tencionam esses âmbitos. Aproximando-nos desses conceitos, podemos, com o ensino de teatro em aulas remotas, investigar o convívio por meio de estratégias metodológicas tecnoviviais. É possível, também, instaurar acontecimentos de interação e de comunhão entre corpos presentes através de mediação tecnológica. Dessa forma, as aulas de teatro online podem inaugurar um tempo-espaço comum, ainda que multifacetado e esfacelado, devido às múltiplas interações provenientes do ambiente virtual.


As metodologias ativas do ensino híbrido, ou blended learning, promovem a mistura de procedimentos de aulas presenciais e à distância. Suas proposições, além de encorajarem novos recursos para a educação remota, traçam estratégias possíveis para o processo de ensino pós-quarentena, que inicialmente tende a mesclar ensino online e à distância. Essa perspectiva, que une tecnologia e educação, estimula o pensamento crítico e o trabalho em grupo, de forma que os alunos assumem uma postura de protagonismo frente ao seu processo formativo.

Os professores, por sua vez, assumem o papel de tutores dos alunos no processo de busca pelo conhecimento. José Manuel Moran (2017) destaca que o diálogo do ensino-aprendizado com inovações tecnológicas nos leva a entender que não existe uma única forma de ensinar. Além disso, essa interação pode impulsionar o compartilhamento, a publicação, a produção e a divulgação de narrativas diversas.


Essa mistura, presente no ensino híbrido, ecoa nas perspectivas da arte contemporânea. O hibridismo na arte, segundo Machado (2015, p.11), se aproximaria da noção de “mistura de processos, procedimentos, resultados provisórios; para nomearmos algo entre corpo e matéria, entre performance e cena, entre instalação, musicalidade e plasticidade, entre arte e vida”. Por meio de uma postura híbrida, entre educação, arte e tecnologia, me parece possível vivenciar criativamente aulas remotas, enquanto professor de teatro, tencionando os limites entre o que é ou não teatro, as presenças e ausências. Dessa forma, experimentar metodologias contemporâneas no ensino de teatro nos leva a construir possibilidades de resistência e de inventividade, ainda que em tempos tão sombrios.


2. Roteiros de improviso: Corações pulsantes para aulas de teatro online


Partindo das noções brevemente apresentadas, compartilharei três possíveis motes para a criação de aulas de teatro online, em conexão com o teatro dramático, teatro épico e teatro pós-dramático, me aproximando do que propõe os roteiros de improviso (MACHADO, 2015). Com os roteiros de improviso, disponibilizamos estímulos poéticos, por meio de narrativas, materialidades ou ações. Sendo assim, os roteiros de improviso são convites à realização de atos performativos, que serão vivenciados por meio da interação professor-alunos, por hora, em vínculo tecnovivial. Os roteiros a seguir são coabitados por fragilidades e instabilidades, algo próprio da arte contemporânea e da vida atual.


2.1 Teatro Dramático

Mídia: sonoridades. Conteúdo: estrutura do texto dramático e caracterização de personagens. Estratégia: crio, com os alunos, uma cena de radionovela. Em uma aula online, via videochamada, gravaremos a reunião em formato de áudio. Após a finalização da reunião, os áudios serão editados em formato de radionovela, que será disponibilizada como um podcast[ii].


2.2 Teatro Épico

Mídia: vídeos. Conteúdo: criação de narrativas e distanciamento. Estratégia: por meio da gravação de um vídeo curto, uma narrativa será iniciada por um dos alunos, que enviará o vídeo para outro aluno, que dará sequência à narrativa, e assim por diante, até que todos tenham participado do exercício. Experimentaremos a manipulação de objetos, que serão passados uns aos outros, inspirados pelos vídeos Tik Tok Challenges. Após o término da aula, os vídeos serão editados e agrupados em um único vídeo.


2.3 Teatro Pós-dramático

Mídia: fotografias. Conteúdo: dramaturgia visual, imaginário e corporeidade. Estratégia: Vivencie, fotografe e compartilhe com a turma, maneiras diferentes de não realizar ações cotidianas. Após o término da aula, reuniremos o material e criaremos um manual do não-cotidiano.


Encerramento


Inúmeras são as estratégias metodológicas que podem reverberar positivamente no ambiente virtual, a fim de ampliar as teatralidades de uma aula de teatro, como: edição, criação e publicação de textos, áudios, imagens, vídeos, playlist de músicas, narração de áudio books, dublagens, cenários-instalações com móveis, caixas e tecidos por todos os cômodos das casas e figurinos-mascaramentos com peças do guarda-roupa. Desse modo, podemos aproximar as aulas de teatro da unidade temática Artes Integradas, que “explora as relações e articulações entre as diferentes linguagens e suas práticas, inclusive aquelas possibilitadas pelo uso das novas tecnologias de informação e comunicação” (BNCC, 2017). Tendo a concluir que, ao instaurar motes para a criação online, pudéssemos habitar, teatralizar – ou desterritorializar - a essência do cinema, séries, jogos digitais, avatares, delays, corporeidades virtuais, temporalidades digitais e inteligências artificiais. Por hora, sigo evocando presenças em tempos-espaços híbridos com o intuito de criar outras realidades.

Print de videoaula realizada em 11/06/2020, na qual o aluno dança, dando vida a um tecido.

 

[i] Dados apontados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), parte da pesquisa TIC Kids Online 2019, que será lançada na íntegra em junho de 2020. Acesso em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2020-05/brasil-tem-48-milhoes-de-criancas-e-adolescentes-sem-internet-em-casa>. [ii] Os Podcasts estão sendo, cada vez mais, experimentados enquanto ferramenta metodológica. Inúmeros são os aplicativos que permitem gravar, editar e publicar podcasts em importantes stremmings de áudios: Anchor, SoundCloud, e Spreaker.

 

referências

  • DUBATTI, Jorge. Convivio y Tecnovivio: el teatro entre infancia y babelismo. Revista Colombiana de las Artes Escénicas. Colômbia, v. 9. p. 44-54. dec. 2015.

  • MACHADO, M. M. SÓ RODAPÉS: Um glossário de trinta termos definidos na espiral de minha poética própria. Rascunhos, Uberlândia, v. 2, n. 1, p. 53-67, jan. a jun. 2015.

  • MORAN, José Manuel. Metodologias ativas e modelos híbridos na educação. YAEGASHI, Solange (org). Novas Tecnologias Digitais: Reflexões sobre mediação, aprendizagem e desenvolvimento. Curitiba, p.23-35, 2017.

 


Lucas Emanuel é diretor, dramaturgo, professor de teatro e professor de Arte na educação básica (nos últimos meses um professor-online). Mestrando em Artes da Cena pelo Programa de Pós-graduação da EBA/UFMG, com pesquisa em teatro contemporâneo, imagem simbólica e ensino de arte. Licenciado em Teatro pela mesma instituição. Formado em nível técnico pelo Teatro Universitário/UFMG.



Atualmente é professor de Arte da rede SESI - Sistema FIEMG. Em tempos de ensino remoto, tem alimentado o podcast Nas Ondas do Rádio, com materiais complementares às aulas online, disponível em <https://anchor.fm/lucas-emanuel.arte/>.




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