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ésTUdo circo entrevista: Ermínia Silva- pesquisa e percepções sobre os saberes circenses - Parte II

Por equipe do és TUdo circo | Revisão por Flor Sette Câmara



Essa entrevista foi realizada em 21/02/2022 pela equipe do és TUdo circo e é continuidade da postagem do dia 10/06/2022 neste site. Vindo diretamente do PODésTUdo circense (Spotify), mergulhe na história do circo brasileiro! A experiente Ermínia Silva, referência no assunto, compartilha descobertas surpreendentes e suas opiniões marcantes sobre o nosso circo.


Ermínia - “Quando prestei vestibular para Unicamp, passei na segunda chamada. Consegui fechar o curso em seis anos. Percebi que o vestibular de História permitiu buscar diversas referências e ter um grau de informações de várias frentes de pesquisa.


Tinha um professor, uma das pessoas onde ofereço na primeira e segunda edição do meu livro, Alcir Lenharo, um dos professores que mais me marcou, apaixonado pelo circo, onde trabalhava sobre as diversidades das produções culturais.


Aprendi a ampliar minhas fontes e debater muito com os pesquisadores, principalmente aqueles artistas circenses itinerantes e os da fora das lonas, sobre quando vamos entrevistar a fonte já com uma coisa formatada na cabeça de como era, tal risco é grande pois há grandes possibilidades de se cometer equívocos históricos incríveis.

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No mestrado, surgem oportunidades de ampliar as pesquisas sobre as produções do circo escola única e permanente, acrescentar juntamente às fontes orais as fotográficas, às bibliográficas, às musicais, até as ausentes.


Naquela época, já fui aprofundando nas entrevistas orais, desburocratizando esse conceito do que significa o circo tradicional para esses grupos circenses referenciais dos anos de 1950. No intuito de esmiuçar o que representava ser tradicional para esses grupos. Significava homens, crianças e mulheres aprenderem todas as linguagens circenses, todos saberem montar e desmontar a lona, todos desenvolverem habilidades de cenografia e figurino, terem relações com o território nas cidades visitadas, de arquitetura dos espaços, saberem trabalhar com os corpos acrobáticos, saberem tocar instrumentos musicais e realizar leituras de peças de teatro, dentre vários outros conhecimentos esmiuçados por eles.


Pensando hoje, conversando com gente mais nova, penso em outros questionamentos. Eu não estou fechada com todas as perguntas que eu fiz no mestrado. Aliás eu sou crítica de várias coisas que eu fiz nesse período, muitas dessas coisas eu já reescreveria, mas ótimo, aquilo era a produção daquele momento e são válidas ainda.

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Ermínia Silva - Foto: Acervo Pessoal

Depois do doutorado e antes de eu publicar livro, nos grupos artísticos, e vou entrar agora nos grupos artísticos pós-escolas de circo. Já se tem nesse momento a questão do circo social, já está em composição e vai se formar na década de 90, mas já está em processo formativo desse jeito. Já se tem outros grupos fora da lona em processos formativos, mas principalmente após as escolas de circo vários outros grupos que se formaram a partir das escolas de circo que vão formar espaços também de formação circense.


Agora pensando nessa formação circense, eu não posso fugir do debate que fazer circo hoje é dialogar com todo tipo de pessoas, é dialogar com todas as frentes, até mesmo daqueles que se fazem no Rio amazônico, do Rio Solimões, que vão de barco de lugarejo a lugarejo. Eles produzem circo? Sim, mas não é igual a gente. É igual, mas é diferente! Eu quero conhecer isso.


Existe um cenário de preconceito nesse meio, muito racismo, muita exclusão. Até a geração do meu pai não se falava da homossexualidade no circo, isso quer dizer que não tinha? Claro que tinha, eu conhecia muitos. O fato é que hoje a gente está podendo falar, não quer dizer que é melhor ou pior, mas está se podendo falar. Particularmente eu acho que é bem melhor. Está sendo colocado em pauta, o quanto estamos avançando.


Temos alguns artistas negros, como o Eduardo das Neves, que são ativistas públicos contra a escravidão, abolicionista, e você tem o Benjamin de Oliveira, que não é esse ativista, mas é ativista. Você olha para as peças dele, ele tá falando da desigualdade, da produção de desigualdade, ele se filia e faz parceria com artistas, cantores, atores de teatro, abolicionistas está presente no circo dele o tempo inteiro, a capoeira está presente no circo dele o tempo inteiro, o João Cândido está sendo homenageado [...?]. Então ele não é um ativista como o Eduardo das Neves, mas ele é um ativista o tempo inteiro, ele coloca o debate da negritude o tempo inteiro. Mas ele também trabalha com um monte de famílias europeias. Então eu acho que hoje sim, está se podendo falar. A diversidade da produção circense, da produção artística, da produção formativa, educacional, nas academias, mas muito fora das academias, esses acadêmicos que já eram artistas, ou que viraram artistas e vão para o mundo se produzirem. Eu acho que tem incríveis formatos que estão sendo produzidos por aí e não adianta dizer que se o circo está deixando ou não, eles já estão, não é o circo que deixa.


Tem coisas que até a geração do meu pai, mesmo de alguns circos itinerantes, hoje já tem em seus espetáculos uma variedade enorme de gêneros, toda LGBTI+... Se você pegar a própria pessoa que faz a secretaria do Circo Tubinho, acho que ela é Trans, só não vou afirmar pois não sei como ela se denomina, mas olha só que interessante, é alguém que comanda toda organização do Circo Tubinho. Então você vê os corpos hoje, nos projetos sociais, nos processos formativos do Brasil inteiro, são corpos os mais diversos possíveis, das origens mais diversas seja em termos raciais - não gosto muito desse termo- de nacionalidades, seja em termo de opções de gênero. Eu hoje estou envolvida com grupos de mulheres negras, de produções negras, de LGBT com a Cia Fundo Mundo, vários outros de corpos com deficiência porque isso também é fazer circo hoje.


O circo conquista esses corpos. Quem tem homofobia, racismo e preconceitos, o problema é deles porque já está aí, já está sendo disputado tudo isso e não sou eu quem vai dizer se pode ou não pode, mas eu quero estar do lado deles e delas, não desses outros, porque eu sou isso e para mim não importa. Todas as vidas valem a pena serem vividas, qualquer vida.”


Em março de 2024, Ermínia faleceu, deixando como legado a sua última entrevista ao "ésTUdo circo". Nesta última conversa, Ermínia compartilhou reflexões profundas sobre suas experiências como pesquisadora. A entrevista não só capturou sua sabedoria, mas também ofereceu uma visão emocionalmente poderosa de seu legado, impactando profundamente seus admiradores e aqueles que acompanharam sua carreira de perto.

 

Ermínia Silva possui graduação em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1980), graduação em História pela Universidade Estadual de Campinas (1993), Mestrado em História pela Universidade Estadual de Campinas (1996) e Doutorado em História da Cultura pela Universidade Estadual de Campinas (2003).


Autora de dois livros: Circo-teatro: Benjamim de Oliveira e a teatralidade circense no Brasil (Altana, 2007); e Respeitável Público... o circo em cena (junto com Luiz Alberto de Abreu) (Funarte, 2009). Desenvolve atividades de formação e de pesquisa na Escola Nacional de Circo - Funarte (RJ); Co-coordenadora do Grupo Circus - FEF-Unicamp. Professora Convidada do Programa de Pós-Graduação em Artes, Mestrado, Disciplina: Tópicos Especiais, Área de Concentração: Artes Cênicas, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita - UNESP. Professor Responsável: Mario Fernando Bolognesi, de 2011 a 2013.


Foi coordenadora, junto com Daniel de Carvalho Lopes do site www.circonteudo.com.br  que tem um vasto banco de dados sobre a arte circense no Brasil e que tem sido referência, inclusive, para trabalhos acadêmicos no campo da história da cultura e das artes cênicas. Tem experiência na área de História, com ênfase em Cultura, atuando principalmente nos seguintes temas: circo, circo-teatro, artes cênicas, cômico, teatro-filosofia e formação de ator. Produziu conhecimento na interface entre a história do circo, com ênfase no Brasil, e a construção da memória, científica ou não, da produção cultural na sociedade brasileira, em particular do século XIX até hoje, no XXI. Debateu de modo produtivo sobre a produção do circo-teatro no Brasil e os estudos acadêmicos brasileiros sobre o teatro, a música, o rádio, o cinema e a televisão, utilizando-se da teatralidade circense como analisador dessa construção.

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